quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Diferenças entre fados

Em Lisboa e no Porto encontramos o fado cantado essencialmente na parte mais antiga da cidade, em tabernas ou casas de fado, pequenas, antigas, de paredes frias, decoradas com os símbolos daquela forma de canção nessas duas cidades: o xaile negro e a guitarra portuguesa.

O homem que canta o fado fá-lo normalmente de fato escuro. Canta os seus amores, a sua cidade, as misérias da vida, critica a sociedade, os políticos. Fala muitas vezes da toirada, dos cavalos, de tempos passados e pessoas já idas, e fala, quase sempre, de saudade. Mas de onde vem a palavra Fado? Do latim fatum, que significa destino, o destino inexorável e que nada pode mudar. É por isso que o fado é normalmente tão melancólico, tão triste: porque canta a parte do destino que foi contra os desejos do seu dono. A mulher canta sempre de negro, normalmente de xaile aos ombros, com uma voz lamentosa. Canta, tal como o homem, o amor e a morte: a morte que vem da perda do amor, o amor perdido para a morte...

Este modo de cantar espelha, de certo modo, o espírito do povo português: a crença no destino como algo que nos subjuga e ao qual não podemos escapar, o domínio da alma e do coração sobre a razão, que levam a actos de paixão e desespero, e que se traduzem naquele lamento tão negro mas tão belo.

E em Coimbra? Em Coimbra temos o mesmo estilo triste, mas com uma motivação totalmente diferente. Tal como já se disse, o ex-libris de Coimbra são os estudantes. Aos poucos, jovens que iam de Lisboa e do Porto para ali, foram levando as suas guitarras e aquele estilo novo de tocar, que caiu nas boas graças da população estudantil. O que poderia ser melhor para impressionar as suas amadas, do que cantaram a sua angústia por não as terem, depositando-lhes nas mãos um coração cheio de penas que só elas poderiam aliviar? E que outra música poderia explicar melhor o desgosto de abandonar os melhores anos da mocidade, a vida boémia de um estudante, do que o Fado? Foi assim que ele surgiu como a música oficial das despedidas de cada ano, e dos estudantes em geral.

Em Portugal é costume os estudantes trajarem com um fato e uma capa grossa, negros, e é assim que se canta o fado em Coimbra. Pode parecer um pouco soturno, uma multidão de negro ouvindo uma serenata de Fado de Coimbra, mas na verdade é muito belo. No silêncio da noite - pois as serenatas são sempre à noite - ecoam as guitarras e as vozes profundas, num lamento que se estende por sobre a multidão de capas negras, ou que se esgueira pelas esquinas das ruas estreitas e se entranha nas pedras centenárias.

in Fado a Alma de um Povo

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