domingo, 28 de novembro de 2010

Quem é Maomé?

MAOMÉ, profeta (Meca, c. 570-Medina, 632).
Para os muçulmanos, Maomé (Muham-mad em árabe) é um simples ser humano, certamente exemplar, mas desprovido de qualquer natureza divina ou de dons miraculosos. Sendo o último de uma linhagem de profetas semíticos reverenciados, como Salomão, Moisés, David ou Jesus, ele é antes de tudo o «avisador» eleito por Alá para transmitir a sua Revelação aos homens e «selar> definitivamente a mensagem de Abraão.
Maomé em Meca. A biografia de Maomé chegou ao nosso conhecimento, em primeiro lugar, por aquilo que o Alcorão nos comunica, informações completadas pelas Tradições (Hadites), feitos e ditos do Profeta coligidos após a sua morte, e pela «Vida de Maomé» (Sim; séc. viu), que tenta organizar uma cronologia da sua vida. Há, porém, duas datas seguras: 622 («o ano 1 da era muçulmana», data da hégira, migração de Maomé de Meca para latrebe, futura Medina) e 632 (data da sua morte). Dos começos da vida do «Louvado» — é o sentido de Muhammad em árabe —, filho de Abdalá, do clã haxemita da poderosa tribo comerciante dos Coraixitas de Meca, pouco sabemos para além da data do nascimento, cerca de 570, depois da morte acidental do pai. Tendo ficado igualmente órfão de mãe muito cedo, o menino desamparado é recolhido pelo seu tio Abu Talib: torna-se então pastor antes de entrar como caravaneiro ao serviço de Cadija, uma rica viúva, quinze anos mais velha que ele, à qual irá unir-se pelo casamento. Há-de permanecer a esposa única e respeitada de Maomé enquanto for viva. Na qualidade de primeira convertida ao islamismo, ela é, no coração dos muçulmanos, uma das quatro «mulheres puras» do islão — ao lado da filha do faraó que salvou Moisés das águas, de Fátima, uma das filhas do Profeta, e de Maria, mãe de Jesus. Após a morte de Cadija, Maomé realiza durante o sono, montado na égua alada Buraq, a sua Viagem Nocturna (miradj) a partir do local do Templo de Salomão em Jerusalém, na direcção dos Sete Céus e da «Presença Divina». Da sua primeira mulher teve Maomé dois filhos, falecidos em tenra idade, e quatro filhas. Possuímos poucos indícios sobre o itinerário espiritual de Maomé antes da hégira: sendo provavelmente iletrado, talvez haja conhecido um monge sírio, Bahira, por ocasião de uma viagem aos confins da Síria. De qualquer modo, a Arábia abriga desde há muito 11'inpo algumas tribos cristianizadas e judaizadas, cujo substrato cultural semítico é similar ao dos Árabes. Assim, Maomé teve porventura conhecimento do conteúdo, pelo menos parcial, do Velho Testamento (sobretudo) e dos Evangelhos. Aliás, nos primeiros tempos da sua pregação, ele apela aos «detentores da Escritura», judeus e cristãos, para que «autentiquem» a veracidade desta. No centro do Hejaz, Meca, sede do mais importante lugar de peregrinação pagão da Arábia — a Caaba —, é também um importante centro do comércio internacional. O porto de Yanbu, à beira do mar Vermelho, está em contacto com a Abissínia cristã (a Etiópia), o Egipto, os reinos árabes lakhmida e gassânida dos confins sírio--mesopotâmicos, e bem assim com a Pérsia zoroástrica. A tradição situa a revelação al-corânica por volta dos quarenta anos do Profeta, no decurso de uma das suas habituais meditações numa gruta perto de Meca, quando é visitado pelo arcanjo Gabriel — Djebrail em árabe —, que lhe ordena que «leia» («lê!», iqra! em árabe, cujo substantivo é quran — «leitura», «recitação» —, donde vem a palavra Alcorão na nossa língua). Ao longo de numerosas visitas, o mensageiro celeste «dita-lhe» os versículos do livro sagrado, numa língua «clara e inteligível» para os habitantes da região: o árabe do Hejaz.
Maomé em Medina. A pregação monoteísta de Maomé, que ameaça a prosperidade de Meca como centro de peregrinação, não tarda a deparar com a oposição dos Coraixitas pagãos que dominam a cidade. De tal modo que, em 622, o Profeta fica a dever a sua salvação e a dos seus partidários à hégira (migração) para latrebe (a futura Medina, 400 quilómetros a norte de Meca), depois de ter enviado alguns muçulmanos («submissos a Deus») em busca de refúgio junto do negus cristão da Abissínia. Em latrebe, onde declara a guerra santa aos idólatras me-quenses, recebe um acolhimento favorável enquanto elemento federador, incluindo da parte dos muitos judeus ali instalados. As relações com estes últimos toldam-se em seguida por causa da pretensão que Maomé acalenta de os converter; a mensagem dele suscita uma certa rejeição no seio dos judeus, a qual acarreta, em paga, o ódio tenaz de Maomé, que irá ao ponto de mandar exterminar certas tribos judaicas. Pouco depois, de resto, o Profeta decide transferir a quibla, a direcção da oração muçulmana, de Jerusalém para Meca. Em latrebe, tornada Medina [«a Cidade (do Profeta)»], nasce uma religião no sentido próprio, desembaraçada do materialismo dominante, ao mesmo tempo que despontam os dons políticos, militares e legislativos de Maomé, organizador de uma comunidade que aumenta gradualmente em virtude das conversões, das adesões e das conquistas. Com efeito, Maomé desempenha um papel predominante na reforma dos costumes da sociedade árabe de então, marcada pela anarquia das tribos beduínas, pelas rivalidades entre urbes comerciais e por profundas desigualdades nas relações sociais. Maomé vence a batalha de Badr (624) e alcança um novo triunfo militar e político na batalha do Fosso (627), graças às aptidões de Salman, um persa convertido. Os muçulmanos obtêm assim licença para realizar a peregrinação durante três dias a Meca, abandonada, para o efeito, pelos seus habitantes. Três anos mais tarde, eles efectuam a peregrinação de cabeça levantada, conduzidos por Maomé — montado na sua lendária camela branca —, que ordena a destruição dos cerca de 300 ídolos que ornamentam a Caaba.
Depois desta acção e de uma série de combates vitoriosos, a maioria dos Mequenses, seguidos por uma grande parte da Arábia, abraçam a religião muçulmana, igualmente encarada pelos Árabes como um factor de unificação frente às grandes potências vizinhas: Bizâncio e Pérsia. Este período assinala o fim da idade da ignorância. Durante a peregrinação — agora anual — de 631, na qual não participa, o Profeta manda proclamar pelo seu genro Ali a ilicitude do politeísmo e a proibição imposta aos não-crentes de penetrar nos lugares santos mequenses.
Acometido de doença, Maomé dirige em 632 a «Peregrinação do Adeus», no decurso da qual fixa os ritos reguladores da peregrinação muçulmana colectiva (hadj), um dos Cinco Pilares do Islão. Morre ao regressar a Medina, nos braços da sua esposa preferida, Aixa, uma das suas nove mulheres — apesar de ter ele próprio fixado o número máximo delas em quatro, desposara as viúvas desamparadas de alguns companheiros de armas mortos em combate.
Os seus contemporâneos sentiram-se impressionados com a força da sua convicção religiosa ao serviço de um monoteísmo sem concessões. Dotado de um saber limitado e levando uma vida simples, Maomé revelou--se, em contacto com os acontecimentos, um hábil político e um organizador simultaneamente autoritário e justo da sua comunidade.

in Civilização Muçulmana, Dicionário Temático LArrousse, pp 154 a 156

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